08/08/2017

Márcio Dal Cin

Tudo mudou. E agora?

Tudo mudou. E agora?
Com este título, Márcio Dal Cin, 39 anos, dá início à palestra em que conta como o acidente que sofreu mudou drasticamente a sua rotina
Em um pedacinho de terra na cidade de Guaraciaba, no interior de Santa Catarina, Márcio Dal Cin, 39 anos, cresceu ao lado dos pais e dos quatro irmãos. Naquele tempo, não existia energia elétrica,; a bola da gurizada era uma meia recheada de panos; as goleiras eram de madeira; e o campo era no potreiro, mas a alegria e a vontade de jogar bola já eram presentes na vida daquele que viu no acidente que sofreu todos os motivos para agradecer pela oportunidade de estar e se sentir vivo.
Tudo mudou às 19h30min do dia 14 de abril de 2010. Responsável pelo setor de transporte e logística da empresa, Dal Cin pediu para ser o motorista na viagem à filial, localizada em Tubarão/SC. “No dia da viagem, comunicaram que outro rapaz iria no meu lugar, mas depois acabamos por decidir que eu seria o motorista.”
Além de Dal Cin, mais quatro pessoas estavam no carro no dia do acidente, uma delas não resistiu aos ferimentos e faleceu no local. Os cerca de 30 minutos passados dentro do automóvel foram os piores momentos da sua vida. “Me lembro muito bem do acidente. Uma carreta entrou direto na pista e batemos nos pneus do veículo.”
O motorista recorda que os pedidos de socorro da filha do seu ex-chefe o deixavam muito agoniado. “Só vinha na minha cabeça que poderia ser a minha filha. Naquele momento, eu me colocava no lugar de pai. Queria ajudar, mas não conseguia, já estava quase sem respirar.” Dal Cin acreditava que estava com as pernas presas, pois não conseguia movimentá-las. “Como quebrei o pescoço e lesionei a medula, perdi os movimentos.”
Durante duas semanas, Dal Cin diz que só falava e mexia os olhos. “Tive uma pneumonia no hospital. Fiquei 26 dias com respiração mecânica.” O acidente afetou parte do movimento dos dedos, braços e também a respiração. “De certa forma, tive muita sorte, pois a lesão poderia ter me deixado sem nenhum movimento para sempre.”
Após o primeiro período de recuperação, Dal Cin precisou, mais uma vez, ser muito forte. Com problema de escara (ferida) em decorrência do longo período em que ficou somente deitado, ele precisou passar por cirurgia, mas, por causa de problemas no procedimento, além de não curar uma, teve mais duas feridas. “Tive que ficar 40 dias deitado só de um lado.”
Em Brasília, Dal Cin buscou auxílio no Hospital Sarah Kubitschek, que possui referência mundial no tratamento de lesão com medula. “Minha bexiga estava atrofiada e não fazia mais a função de encher e esvaziar, então, os médicos tiraram um pedaço do meu intestino e aumentaram a bexiga, com ligação no apêndice.”
Dois anos. Este foi o tempo que Dal Cin precisou para colocar o seu corpo em ordem e poder voltar a pensar nos seus projetos para o futuro. “Tive todo o apoio necessário da empresa em que eu era funcionário na época do acidente. Sentamos e chegamos a um acordo. Queria voltar a trabalhar, inclusive, mas precisei cuidar da minha saúde.”
É preciso recomeçar
Dal Cin explica que, antes do acidente, tinha um perfil profissional um pouco autoritário, isso por sempre ter ocupado cargos de liderança e chefia. “Tinha o coração meio duro.” Por outro lado, em casa, na companhia da esposa, Simone Wildner, 38 anos, e da filha, Clara, 7 anos, seu comportamento sempre foi carinhoso. “O acidente deu outro sentido para minha vida. Antes, eu trabalhava muito, e isso era importante; hoje, vejo que a família é o bem mais precioso que temos.”
Ter ficado 26 dias sem ver Clara e tocá-la, que na época tinha apenas 1 ano e meio, deu um novo sentido à vida de Dal Cin. “Tudo o que é material ficou em segundo plano.” No mundo do voluntariado, ele foi presidente da Adefil, conselheiro e depois presidente do Conselho Municipal de Saúde. “Essas atividades me realizavam como pessoa, mas precisava de um trabalho.”
Dal Cin conta que tinha a necessidade de se sentir útil, não só pelo lado financeiro. “Quero que minha pequena tenha um bom exemplo dentro de casa.” Naquele momento, ele teve a ideia de montar o seu próprio negócio. “Primeiro pensei em uma oficina mecânica, depois em alguma loja para vender material esportivo, mas só depois tomei uma decisão.”
Cliente da pizzaria Chef Leon, Dal Cin propôs sociedade ao até então proprietário. “Ele disse que me vendia e que não queria um sócio.” Ao retornar para casa, o futuro empresário conversou com a esposa, irmão e pais. “Avaliei um pouco o mercado, o ponto era bom, Lajeado é uma cidade urbana, quase todo mundo gosta de pizza e ainda era perto da minha casa.”
A felicidade está nas coisas simples
Negócio fechado. Dal Cin comprou a marca, mas sempre brinca que investiu no negócio sem conhecer. “Não havia acesso para cadeirantes, mas assim que assumimos, demos um jeito nisso.” No dia 2 de abril de 2013, o novo dono assumiu a pizzaria. “No primeiro dia, vendemos seis pizzas e, aos poucos, as coisas foram melhorando.”
Conforme o dinheiro entrava, Dal Cin investia em equipamentos novos e, desde o início, fez questão de observar de perto todo o processo de produção até a entrega do produto. “Trabalho de segunda a segunda. Na segunda, não abrimos, mas eu aproveito para fazer as compras da semana e os pagamentos.”
Entre um planejamento e outro, Dal Cin investiu na parte visual do negócio, apostou em cores e lançou o sentido da criação da nova marca por meio da frase “A felicidade está nas coisas simples”. Atualmente, a empresa vende mais de duas mil pizzas por mês, inaugurou o seu novo espaço - com 250 metros quadrados - e consolida a marca como a pioneira em inovação no segmento delivery.
“Se analisarmos a estrutura das unidades delivery, todas elas são pequenas. A nossa proposta é oferecer acolhimento tanto para os adultos, que buscam suas encomendas, quanto para os seus filhos, que aguardam ansiosos pela entrega.” Dal Cin explica que pretende ser uma referência positiva. “Tudo o que planejamos é pensando nos nossos clientes.”
Projetos para o futuro
Dal Cin afirma que pretende colocar franquias da pizzaria Chef Leon, mas antes pretende profissionalizar a palestra, em que conta a sua história de vida e, assim, levar o conteúdo para todo o Estado. “A palestra é um choque de realidade em muitas pessoas.”
Sobre seus sonhos, Dal Cin diz que gostaria de ter uma máquina de caminhar. Ela custa US$ 300 mil. “Mas como já disse, procuro não me apegar a coisas materiais. Estamos aqui de passagem. Alguns vivem alguns anos; outros, décadas.”
O empresário afirma que procura viver um dia de cada vez e aproveitar ao máximo o presente, pois muitas pessoas vivem em busca dos sonhos e esquecem do hoje. “Quero dar uma boa educação para a Clara, ser um exemplo dentro de casa e ensiná-la sobre os valores mais importantes de um ser humano.”
Lembranças de jogador
Aos 12 anos, o menino ganhou de presente a sua primeira bola de futebol. “Lembro que saí correndo, chamando meu irmão Mário e gritando que havia ganho uma bola.” Com 15 anos, a família de Dal Cin mudou-se para Lajeado, e foi no Bairro Montanha que ocorreram as primeiras “peladas” da garotada. “O Paulinho Heineck (já falecido) foi um grande incentivador do esporte naquela época.”
Dal Cin relata que Heineck ajudou a construir o campo do Bairro Montanha e que, todos os domingos de manhã, ele levava os garotos para buscar leiva na antiga Picada Scherer. “A gente ajudava a arrumar o campo e depois tinha arroz de carreteiro para todos.”
Enquanto o irmão Mário atuava como goleiro nos campeonatos, Márcio desempenhava a função de zagueiro no Segundinho do Montanha. “Lembro de um episódio no Campeonato Regional, que sempre rende boas risadas, mas na época não foi engraçado.”
Quando tinha 22 anos, Dal Cin trabalhava na rodoviária como vendedor de passagens e, às vezes, precisava cumprir horário em domingos. Ele tinha um jogo importante em Arroio do Meio, e Heineck pediu ao seu chefe para que liberasse o atleta do serviço. “Lembro que ele liberou, mas eu tive uma luxação no braço e, ao retornar, ele disse para eu optar pelo futebol ou pelo trabalho.”
Como precisava do emprego, Dal Cin agiu com a razão. “Parei de jogar.” Tempo depois, disputou o Campeonato Regional em Colinas, com o Rui Barbosa, e passou a fazer parte, em 2001, do Ceva 20, no Bairro Carneiros, em Lajeado. “Também disputei o Regional, Série B, com o São Cristóvão, e fomos campeões.” A final ocorreu no antigo Estádio Florestal. “A decisão foi para os pênaltis, e eu consegui fazer o meu”, conta orgulhoso.
Texto: Carolina Gasparotto

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