04/08/2017

Hebert Pereira

Sonhos ao embalo de muitos km/h e bandeiradas

Motovelocidade
Sonhos ao embalo de muitos km/h e bandeiradas
Hebert Pereira, que há cinco anos tem Estrela como sua cidade, faz de uma moto que chega a mais de 200 km/h seu instrumento de realização, um motivo para sonhar alto... e rápido
Na garagem da mãe, uma moto, usada para o deslocamento da família. Na do vizinho, outra. Nos desenhos da escola, em vez de carros ou super-heróis, motos. Um especial, guardado com muito carinho até hoje, feito antes dos 10 anos: uma moto, claro, pintada com as mesmas cores e disposições daquela com a qual, coincidentemente, Hebert Pereira correria o Brasileiro de 2014. Hoje, o jovem paulista de 19 anos, estabilizado há cinco em Estrela, “corre” atrás de patrocínios para seguir o sonho de ser piloto profissional. As cicatrizes pelo corpo e o medo da mãe Regiane Resende e familiares de mais acidentes não são adversários para as bandeiradas.
Largada
O percurso começou a ser traçado de maneira mais prática com voltas na garupa das motos de conhecidos, como na de um vizinho de prédio em Florianópolis - onde morava com a mãe -, encantado com os conhecimentos e a atração do garoto de apenas 9 anos. Mas foi ao cair pela primeira vez, então na carona de outro conhecido, que a brincadeira de menino passou a virar assunto sério. Com medo de novos acidentes, Hebert ganhou presentes como capacete e outros acessórios, além de uma moto usada para a mãe Regiane fazer a alegria do filho vez e outra. Mas então também começaram as voltas às escondidas, no estacionamento do prédio, sozinho e, sendo assim, não mais na garupa: o gosto por estar no comando também acelerava. “Nas horas vagas, eu lavava motos de competidores e outras pessoas que tinha moto só para ganhar um troco e ficar mais perto das motos”, revela o piloto. “Só estou onde estou porque sempre contei com a ajuda da minha família, amigos, das pessoas que mesmo sem relação alguma comigo confiaram em mim e no meu potencial, na minha paixão por isso”, atesta o rapaz ao lembrar de alguns presentes.
Arrancada
Sem ter como parar o ímpeto de Hebert, logo começaram as sessões de treinos em locais próprios, cursos de pilotagem. Logo na primeira corrida, vitória. Na segunda, também. Freio para a paixão não havia mais. Exemplo foi a mãe, que praticamente largou tudo, deixou familiares, amigos e empregos para trás em Santa Catarina e veio, de mala e já com cuia na mão, para o Rio Grande Sul, onde Hebert tinha a promessa de correr por uma equipe, algo que ficou só na promessa. Sem a verba necessária, a equipe não saiu, e Hebert quase ficou a “ver largadas”. Isso só não ocorreu, porque mais uma vez contou com a colaboração de amigos. Uma equipe de Caxias do Sul, que já sabia do potencial do garoto, fez o convite para que ele integrasse o grupo. Apesar das dificuldades iniciais, uma oportunidade de emprego para a mãe, vendedora; a boa receptividade de Estrela para com o garoto e a família; e o fato de o município ficar perto de três autódromos e no caminho para outros fizeram com que eles fixassem residência no município. “A qualidade de vida em Estrela é incrível. Hoje, se puder, não saio daqui. Fui muito bem recebido, e para seguir com meu sonho, sempre tive muito apoio moral e econômico por parte de muitos.”
Vitórias
Já correndo no RS, Hebert foi campeão gaúcho em 2012 e 2013. Na estreia no Brasileiro de 2014, pódio em todas as provas. Apenas na reta final e decisiva, não. “Precisava das vitórias nas três últimas etapas. Para tanto, era necessário arriscar ao máximo, e o risco de queda aumentaria com isso. Foi o que ocorreu. Mas sempre preferi isso, dar o máximo”, garante. No Brasileiro do ano passado, das oito etapas, só conseguiu participar de sete e fechou em 8º lugar.
Futuro acelera, mas há freios
O ano de 2016, que começou com uma vitória sensacional em Interlagos, ainda mostra muitas incertezas. “O Gaúcho, vou disputar com a RAD Racing School a Copa R3 - 250cc, onde todos correm as seis etapas com o mesmo tipo de moto, uma Yamaha R3, ou seja, um chamado campeonato monomarca”, explica. “O Brasileiro também, mas então nas 600cc. A diferença é grande, pois a moto é muito mais potente. Só na velocidade salta de 222 km/h, no total, para quase 300 km/h”, conta. “Mas ainda dependo de patrocínios para defender as cores da SBK Moto Racing, de Florianópolis. Estou correndo atrás, mas não está fácil.”
Adrenalina e vitórias fazem sarar feridas
É dia de corrida. Hoje, é dia de Regiane Resende conversar sozinha com o controle remoto ou o computador - se a prova estiver passando pela TV ou apenas por meio da internet. De vez em quando, em momentos mais calmos, aceita dar uma espiada nas imagens. “Mas nunca nas largadas, pois é a hora mais perigosa e tensa”, revela Regiane, que já viu alguns tombos do filho ao vivo e pela TV. É também por isso que não vai mais pessoalmente aos circuitos. “Por um lado também é ruim, pois, às vezes, tu ficas muitos minutos sem saber direito o que aconteceu”, destaca ela, que se sente meio culpada por ter, de certa forma, o incentivado a fazer o que ele faz. “Mas gosto. Isso já foi motivo de muitas conversas entre nós. Se pudesse, trocaria a moto por uma bola de futebol”, confessa Rejane. “Eu estaria perdido”, afirma o filho, garantindo que o negócio dele, mesmo, é uma moto.
A vitória
Nos braços e em outras partes do corpo, Hebert traz marca das lesões, fraturas, muitas cicatrizes, algumas originadas no quente contato “pele x asfalto”. Não esquece de um acidente, mas que, por ironia, lhe rende risos até hoje. “Foi o dia mais sensacional que já vivi na motovelocidade”, relembra o piloto ao falar de uma prova em Rivera, Uruguai, em 2013. O dia reservava duas corridas, e Hebert só precisava correr a segunda, válida pelo Estadual, em que tinha pontos suficientes para ser campeão se apenas completasse a prova. Mas convidado, aceitou correr a primeira, mesmo com uma moto menos potente. “Travei um pega incrível com um uruguaio. A coisa ficou particular, exagerei e caí.” A lesão no braço foi séria e poderia ter impossibilitado sua participação na prova que de fato lhe interessava, mas não. “Lixei o braço, fiz curativos, consegui um macacão emprestado, pois o meu rasgou tudo, e fui correr.” Hebert precisava apenas completar a prova para ficar com o título, mas fez questão de vencer, sendo a última volta com o motor praticamente fundido. “Foi uma emoção incrível. As dores, esqueci.”
“S” do Senna
Recentemente, Hebert conquistou aquela que talvez tenha sido a sua maior vitória em nível nacional. Na companhia de Vinicius Canello, piloto de Caxias do Sul, conquistou a 19ª edição das 500 Milhas de Motovelocidade, então nas 100 milhas. Considerada a prova de gala do motociclismo brasileiro na modalidade endurance (resistência/distância/velocidade), é disputada nas retas e curvas de Interlagos. Nas 100 milhas (a largada ocorre com as 300 e 500 milhas), foram 160 quilômetros e quase duas horas de intensa disputa. Hebert, que corria pela primeira vez, foi quem largou e completou 24 das 38 voltas. Quanto ao fato de correr em Interlagos, mais conhecido pela Fórmula 1 do que pela motovelocidade, ele se derrama em elogios. “Adoro o circuito, um dos melhores. Passar pelo S do Senna é demais”, diz sobre o trecho de Interlagos onde chegou a se acidentar num treino para a prova. “Me identifico muito com as curvas e o traçado. Corro lá desde 2012. Melhor, para mim, só os circuitos de Goiânia e o de Santa Cruz do Sul”, atesta com a autoridade de quem corre profissionalmente desde 2010.

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