04/08/2017

“Antes de campeões, homens”

Jurandy Antonio Pretto, o “Jura”, fala da sua experiência em meio a jogadores profissionais

“Antes de campeões, homens”
Jurandy Antonio Pretto, o “Jura”, fala da sua experiência em meio a jogadores profissionais, dirigentes e garotos, baseado em sua trajetória como atleta, preparador físico e professor“Qualidade” nas respostas, “rapidez” na colocação dos conceitos, “chegada forte” nas colocações. Jurandy Antonio Pretto (63) não dá, na conversa informal, espaços na “marcação” daquilo que considera certo e errado. Traz da experiência do tempo de jogador e preparador físico do mundo profissional - ou “nem tanto assim”, como sugere - algumas das características que determinam sua “posição” quanto ao atual momento do futebol. Com sua experiência como professor de Educação Física e das escolinhas do Clube Tiro e Caça (CTC) há 38 anos, acerta a “tática” quando analisa o seu “campo” de atuação perante os jovens. “Antes de formar um campeão, é preciso criar e educar um homem”, diz ele ao citar o slogan da escolinha, um dos seus orgulhos. Jura é respeitada figura do cenário esportivo de Lajeado, do Vale do Taquari e do Estado. Em 1974, iniciou sua caminhada como professor. Foi logo após se formar em Educação Física, no IPA, em Porto Alegre. Foi quando o pai do Felipe (29) e João Antonio Pretto (24) também ingressou nas escolinhas do CTC, onde permanece até hoje - com apenas uma interrupção anos mais tarde. Em 1975, até se aventurou por outros “gramados”, ou melhor, “terras”, no caso, as das pistas de motocross, um hobby da época. “Foi uma coisa mais de empolgação. Durou pouco, mas valeu a pena”, destaca ele, que chegou a disputar o Campeonato Gaúcho da modalidade daquele ano. Mas foi só. Foi jogador profissional do Lajeadense em 1978 e em 79, quando atuou ao lado do irmão Jacy Pretto. Mas logo no início da década de 1980, aceitou o convite do treinador José Carlos Chaves, o “Chaveco”, para ser o seu preparador físico no próprio Alviazul. Iniciava-se sua carreira em tal função no futebol profissional. “Foram passagens por Lajeadense, Estrela, Avenida e pelos Guaranis de Garibaldi e de Venâncio Aires, entre outras equipes. Era um vai e vem que segue para muitos profissionais até hoje.” Passagens, inclusive em Santa Catarina. Isso em 1991, único período em que se afastou das escolinhas do CTC. “A época do trabalho em Santa Catarina me marcou muito, quando, no Araranguá E.C., Itamar Gonzatti também atuava nessa equipe. O time do interior, sem expressão nenhuma, vencendo o franco favorito Figueirense, lá em Florianópolis, com autoridade e qualidade, se sagrando campeão da Copa Santa Catarina é algo inesquecível”, recorda, com saudosismo, também ao citar algumas histórias engraçadas dessa época. E piada é com Jura. Mas motivos para sorrisos ele não tem ao relembrar o fim da carreira de preparador, que se deu justamente no Lajeadense, em 2007, onde havia começado quase 18 anos antes, bem menos desiludido com o futebol profissional do que à época.
CTC
Jura calcula que já tenha orientado mais de quatro mil garotos e jovens na escolinha. Entre eles, Everton Giovanella; Alexandre Chaves, o “Menudo”; Ricardo Maria, o “Rafinha” - hoje no futsal -; e outros. “Podem não ter saído muitos jogadores com carreira de sucesso no futebol se considerado tanto tempo, mas, com certeza, saíram muitos jovens com mais qualidade para a vida, com uma formação na parte esportiva que contribuiu para o sucesso pessoal deles longe dos gramados”, diz. Multicampeão do minifutebol do CTC com o lendário Greminho, explica: “Volto a citar nosso slogan: ‘O esporte participativo integra crianças e adolescentes ao seu meio social’. E, hoje, posso dizer que nosso objetivo também sempre foi esse. Tanto que 70% dos atletas que jogaram um dia ou ainda atuam no interno de minifutebol, referência em todo o Estado, passaram pela escolinha, ou seja, criaram relação com o clube”. O professor, por nove anos, foi vice-presidente de Esportes do clube.
Bagunça
Metódico, como ele mesmo se define, Jura critica severamente a bagunça que virou o mundo do futebol e, por consequência, também as escolinhas em geral. Com formação em Educação Física e pós-graduação em Futebol, afirma: “O resultado de um trabalho flui quando tu tens disciplina e respeito, e trata todos com igualdade”. E continua ao citar algumas das obrigações que cabem a um profissional de Educação Física. “Qualquer atividade física, para pessoas de qualquer idade, precisa ser orientada sob a supervisão de um profissional da área. E no futebol não é diferente. Clubes e escolinhas estão permitindo que ‘professores’, sem formação, não qualificados e não habilitados, possam ‘ensinar’ as crianças a jogar bola, muitas vezes exigindo delas o que talvez ainda não se deva, além dos seus limites. Fomentando, no lugar da formação, a competição e a rivalidade. E isso vejo em várias esquinas. Não posso aceitar que qualquer pessoa sem formação pedagógica, de fisiologia e anatomia, que apenas acredita entender de futebol ou algum dia tenha tido alguma passagem pelos gramados passe a ensinar crianças sem nenhum amparo profissional. Se não tenho formação para ser médico, não vou clinicar; se não sou advogado, não vou advogar”, conclui, com tom forte na voz. Como foi sua opção para a carreira de professor de Educação Física? Sempre me identifiquei com a Educação Física pela gama de atividades que ela oferece e pelas oportunidades que ela me proporcionou pessoalmente e profissionalmente. Minha vida sempre foi o esporte. Desde cedo, já atuava como atleta e sempre gostei de praticar exercícios físicos. Esse gosto pelo esporte me levou a iniciar a faculdade de Educação Física quando tinha 18 anos e a me especializar na modalidade de futebol. Vejo que a formação de uma pessoa deve sempre passar pelo esporte, por essa área favorecer o desenvolvimento pessoal e interpessoal de um modo completo, com reais possibilidades de mudar para melhor a vida destas. Uma satisfação muito grande para mim é poder trabalhar com todas as faixas etárias, mas, principalmente, com as crianças. Sempre fiz o que gosto, e isso me motiva a procurar fazer o melhor. Como foi sua passagem pelos gramados profissionais? E por que não seguiu, então, na carreira? Na verdade, nem era bem “profissional”. Eu atuava pelo Lajeadense como atacante. Foram dois anos, inclusive ao lado do meu irmão Jacy e de outras figuras sensacionais, como Tasca, Nandão, Júlio Xavier, Darci Maravilha, Itamar Gonzatti, entre outros. Foi uma opção que fiz na época. Até para completar o que eu já fazia. Mas não me arrependo. Bem pelo contrário. Sou consciente e sei que, até para tu te transformares num profissional e ter sucesso é preciso ter uma qualidade maior, superior a que eu apresentava ou poderia um dia ter como jogador. E não adianta só isso. São vários fatores que determinam seu sucesso numa carreira de atleta, mas alguns me levaram a seguir outro caminho. Só acho que fui consciente. Para muitos pais, a escolinha significa a realização do sonho, mas, então, por meio dos filhos. Quantos pais chegam até mim e dizem: “Aqui está meu filho, minha esperança, e ele está nas tuas mãos”. E eu respondo, depois de certo tempo: ele pode seguir aqui se divertindo, brincando, aprendendo e jogando bola, mas desista de impor ao teu filho um sonho que é teu. E por que não seguiu, então, também na carreira de preparador físico? Olha, encerrei minha carreira de preparador físico com o futebol em 2007, no Lajeadense, após chegar do Guarani-VA. Comecei e encerrei no Lajeadense. Muito porque eu não via a perspectiva de melhora desses clubes de porte médio ou pequeno. Então, não queria mais levar uma vida de cigano, sem possibilidade de chegar a um clube grande. No Lajeadense, também me desapontei muito, me desiludi com o futebol e pessoas. Não sei como está nesse ponto o futebol hoje, nem vou opinar, pois não tenho mais contato e conhecimento direto, mas, naquela época, não dava para confiar na grande maioria dos dirigentes dos clubes. Você, que teve a experiência como jogador e preparador físico, como analisa a atual situação do futebol brasileiro e gaúcho. Está fadado a desaparecer no interior profissionalmente? Os clubes e o futebol gaúcho como um todo são muito dependentes da dupla Gre-Nal. Não sabem e não conseguem sobreviver sem Grêmio e Inter. Um Estadual sem os dois grandes não desperta interesse da torcida. A questão é que a dupla também não tem mais interesse no Gaúcho. Só o joga por uma disputa particular entre os dois rivais para, em caso de não ganhar mais nada importante na temporada, poder acalmar um pouco seu torcedor e este poder tirar onda com o rival. Quanto ao futebol brasileiro, o fato é que não evoluímos das quatro linhas para fora. A maracutaia que envolve dirigentes da CBF, clubes, entidades, enfim, é gigante. Clubes que contratam sem ter condições de honrar com salários, jogadores comuns pedem muito, treinadores antiquados que trabalham mais no nome do que na qualidade. E quantos bons e novos treinadores que perdem seus cargos após dois ou três resultados negativos só porque todos querem resultados imediatos. E isso tudo reflete dentro de campo. O que mudou nas crianças de hoje em relação àquelas com as quais você trabalhava em 1973, dentro e fora dos gramados? Basicamente é que, naquela época, as crianças faziam o quê? Andavam de bicicleta, tomavam banho de rio, brincavam de esconde-esconde e praticavam esportes, muito, principalmente futebol entre os meninos. Hoje não, a informática, a TV tomaram conta e tempo disso. Dou aula para meninos que só desligam o celular pouco antes de começarem os treinos. Não atrapalha em relação ao treino. Dentro de campo até pode ajudar. As crianças de hoje têm um acesso maior e mais fácil às informações do que as de antigamente. Tu falas numa jogada, quer explicar um esquema tático como tal time joga, e elas sabem porque já viram ou podem logo assistir via TV, celular. Tu falas de um jogador, e elas conhecem. E sua atuação como professor e diretor de escola estadual...Trabalhei por 36 anos como professor de escola, destes, dez anos como diretor na Escola Estadual Santo Antônio, antigo Ciep. E o que me marcou muito foi ver crianças de chinelo de dedos e com pouca roupa, em pleno inverno, indo estudar sem ter feito refeição nenhuma. Foi duro. Mas o que mais me magoava era ver a depredação da escola por parte de alguns poucos da própria comunidade. Muito se deve ao uso de drogas. Por isso, digo que o combate a isso tudo, a base para a tentativa de mudanças está na educação, principalmente dos jovens. Tudo passa por ela ou pela falta dela. Berço tu não compras na esquina. Isso tu vais trazer de casa, da tua formação familiar. A escola te dá o amparo para o ensinamento, mas a educação tu trazes de casa. E o que me preocupa é que muitos perderam a consciência do básico, como o respeito ao outro e, principalmente, aos mais velhos.
Texto: Carolina Gasparotto

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