03/08/2017

Adauto de Azevedo

“Nasci ligado ao microfone e a bola”

Gente do esporte
“Nasci ligado ao microfone e a bola”
Nas ondas do rádio ou mesmo atundo pelos gramados e palanques políticos, Adauto de Azevedo nunca de afastou das bolas e microfones. “Sinto falta”
Jogador, narrador. Político, comentarista. Repórter, técnico. Guardadas dentro de envelopes, na cômoda do quarto, centenas de fotos, a maioria em preto em branco, retratam um pouco de tudo. São a prova existencial daquilo que a boa memória de Adauto de Azevedo relata com muito mais riqueza de detalhes. A vida do hoje senhor de 74 anos, aposentado, é escrita pelos mais diversos campos, palanques, casamatas, tribunas, clubes sociais. O ex-jogador profissional relembra com saudosismo do passado, tanto nos gramados, seja como jogador, seja como radialista. Aposentado sim, mas apenas “momentaneamente inativo”, garante. Até dias atrás estava a serviço da Rádio Emoção. Não lhe mostre um microfone e um fone de ouvido. Os olhos brilham.
Natural de Estrela, o ritmo de vida de Adauto de Azevedo hoje é bem mais lento do que o daquele garoto que encontrava tempo para estudar, trabalhar, jogar bola e ainda ajudar a família. Também mais calmo do que os domingos do já então radialista num dia de rodada, ou quando “perdido” em casa: era folga. “Minha esposa ficava braba pois eu ficava andando de um lado para o outro, inquieto. Precisava ir a um campo”, diz ele, viúvo de Sirlei Terezinha de Azevedo há quatro anos. “Não fazia as jornadas esportivas e não faço pelo dinheiro, faço porque gosto. Sinto falta quando não estou trabalhando”, garante o pai de Alexandre e Adriana de Azevedo.
O RÁDIO
“Com 13 anos fui trabalhar no Paladino, em Estrela. Comecei como vassourinha, na limpeza. Depois passei a grampear nota fiscal, cortar papel na guilhotina, na impressão. De lá fui para a rodoviária. Seu Eugênio Noll era o diretor. Já estava começando a jogar bola também. Fiz várias coisas lá, mas minha voz chamava a atenção e ele me colocou para dar a saída dos ônibus. Foi meu primeiro contato com o microfone. Seu Oswaldo Carlos van Leeuwen me ouviu e gostou. Me convidou para trabalhar na Rádio Alto Taquari. Fiz um teste, passei e nunca mais larguei os microfones. Meu primeiro colega de rádio foi Érico Sauer, que também jogava no Estrela e conciliava as duas coisas. Me colocaram no horário do meio-dia pra fazer noticiários com ele, então já com carteira assinada”, relata ele, que lembra até hoje do teste e de muitas outras histórias que se seguiram, do improvisado rádio teatro aos de repórter de carnavais, narrador, dos jogos de basquete do Bira aos comentários na TV Informativo”, relembra Adauto, que teve breve passagem também pela Rádio Farroupilha.
GRAMADOS
“Joguei em Colinas, no Rui Barbosa, depois sai para a base do Inter, no velho Eucaliptos. Era reserva do Claudo Danni, quarto zagueiro, que também foi do Cruzeiro, seleção. Mas eu queria jogar. Ficava brabo com isso. Não aguentei. Voltei para Estrela. Cabeça fraca, garoto, 16 anos, sem paciência e orientação”, reconhece. “Com 17 anos passei a jogar no Estrela, mas como jogador ganhava pouco, então tratei de conciliar os dois. O futebol naquela época se treinava, mesmo nos profissionais, em um turno só, ao menos no Interior”, diz. “Como atuava, no rádio fazia mais programas musicais, de reportagem, notícias, não os esportivos, pois quando estes ocorriam, eu estava em campo. Até para não ir na contramão da ética, ou falta dela, uma palavra que hoje muitos esqueceram, uma prática que não existe mais muito em vários setores”. Desta época, muitas saudades. “Em alguns dias de treinos a gente aquecia naquela parte onde hoje está o prédio da biblioteca de Estrela, da Polar. A preparação física ocorria naquela descida, à noite. Coletivo era de tarde, duas vezes por semana. Tive um imprevisto: quartel. Mas voltei, joguei mais um ano pelo Estrela quando fui para o Avenida, em Santa Cruz do Sul. Foram oito anos no Avenida, de 1963 a 1971.” Neste período, o meia também atuou em Bagé, pelo Guarany, e teve duas passagens pelo rival do Avenida, o Santa Cruz do Sul, em 1969 e 1971. “Lá também segui com o rádio e o futebol. Os treinos eram de noite, pois o estádio já tinha refletores. Foram nove anos lá”.
O RETORNO
Depois, o retorno para Estrela, já em fim de carreira, mas com apenas 32 anos. “Não queria mais jogar, sofria com lesões, dor na coluna mas atuei ainda um ano pelo clube, em 1974”. As dores na coluna o fizeram pendurar as chuteiras de vez. Com microfones seguiram-se as atuações, mas já em outros “campos”: os palanques. Na primeira eleição, sem sucesso. Depois, eleito vereador, assim se manteve por seis anos. “Mas não nasci para a política. Passei então a só me dedicar ao rádio, e esportivo. Neste, meu sonho era ser narrador. Mas todos criticavam meu timbre de voz, e eu também não tinha velocidade para narrar. Mas quando faltava um, me chamavam, e eu não corria. É sim até hoje, não corro desta função, e me delicio. A época do futebol era muito boa. As amizades, viagens, tudo. E o jornalismo esportivo foi a bela menina que eu encontrei perto da bola, do campo. Fiz de tudo, mas o radicalismo esportivo me realizou mais”, destaca o profissional com passagens por Independente, Alto Taquari, Rádio Santa Cruz, Rádio Legal, Uambla, Emoção e outras. “A gente era feliz e não sabia”.
Fã declarado do Estrela, como vê a situação do clube?
Tenho um carinho especial pelo Estrela. Temos Associação dos Amigos do Estrela. Estou muito triste. E outros ex-jogadores também. Evito passar perto do Estádio Aloysio Valentim Schwertner e ver a situação de abandono que ele está. A administração de fato não tem a obrigação de manter futebol. Há outras prioridades, mas manter ao menos o local que pertence ao município, até para ser utilizado para lazer, em condições de a garotada bater uma bola, é obrigação sim. Enchente não é desculpa. Com elas a gente sempre conviveu. Quando menino cansei de, com água até a canela, ir lá para ajudar a tirar o lodo. Acredito naquilo que diz que ‘a saudade é a alma da gente dizendo pra onde ela quer voltar’. E eu acredito nisto. Na volta do clube um dia.
O que falta para o Vale do Taquari ter mais um clube profissional, como ocorre em outras grandes cidades ou regiões, mesmo em divisões distintas?
Falta o Estrela para fazer rivalidade com o Lajeadense. Este não teria caído se tivesse o Estrela em atividade para competir. O Lajeadense desmanchou uma equipe que foi vitoriosa, não conseguiu transformar em receita os títulos que conquistou, até para manter o mesmo grupo ou melhorá-lo, a comissão técnica também, que eram excelentes. Acho que faltou mais ações de marketing para angariar associados, mais patrocínios. E isso com o clube ganhando quase tudo num ano. E se o torcedor tinha títulos, tinha emoção, faltava o que? Alguma coisa para transformar estes momentos de glória em receita para manter o clube. O XV de Novembro e outros clubes viveram a mesma coisa. O Lajeadense, ao menos, conquistou uma nova arena.
Qual é o futuro do futebol amador?
O pessoal está caindo numa realidade: a do pagamento de jogadores. Mas não condeno os que ganham para jogar. Os clubes quiseram assim. É a lei da oferta e da procura. Nosso sistema, capitalista, é assim, e em todos os segmentos. Os clubes sociais já estão vivendo isso também. Por mais que o atleta goste de sua comunidade, não vão jogar mais de graça. Se o cara vem de fora ganha para jogar, porque os da casa não vão cobrar? Então proíbem de trazer o de fora. Só que então com menos jogadores, o da casa já pede mais do que se viesse os de fora, pois falta alternativas para montar o time só com os locais. O clube menor é que paga mais caro por isso. Hoje leva ao que ser campeão regional? Um troféu, uma festa, uma pequena premiação. Mas este é o auge. Ao menos temos com o Regional um ponto de encontro, um motivo para as direções realizarem algumas melhorias nas estruturas dos clubes, e geralmente ocorre isso. Parabenizo as comunidades que mantém o futebol amador, e investem na sua estrutura.
E do profissional no Estado?
Olhem clubes campeões gaúchos como Guarany de Bagé, Grêmio Bagé, Riograndense e outros. Clube quase fechados, com muitos problemas. No futebol profissional do RS, se não mudar a gestão, estes clubes não sobreviverão. É o sistema capitalista, onde tudo está muito caro, todos querem retorno. Não existe mais um fazendeiro ou um empresário apaixonado disposto a assumir as contas ou gestão do clube, até porque tá tudo mais caro. Ninguém resiste, ninguém mais pode. No Gaúcho, a Dupla Gre-Nal deveria entrar já direto na última fase ou nas semifinais, pois fora delas não vão ficar nunca. Dizem que Grêmio e Inter são o carro-chefe para público. Daí quando vão atuar naquela cidade depois de tanto tempo, vão com time reserva ou misto porque tão envolvido com muitas competições. Agora inventaram mais uma. Exemplo é que desde que o Lajeadense subiu o Grêmio não veio jogar aqui.
Narração ou lance inesquecível. Jogador mais brilhante que viu atuar?
Narrei muitos gols bonitos. Lembro bem de um meia de Estrela, então menino, João Guilherme Ruschel. Dinaldo do Regional, Brasil de Marques de Souza e Rui Barbosa de Arroio do Meio. Fez um gol que não vi na TV até hoje. Num escanteio, a bola quicou já dentro da área, entre a linha lateral da área pequena e de fundo. A bola encobriu ele, mas ele puxou, numa bicicleta. Foi um contorcionismo mágico no ar que não esqueço. Já jogadores são dois. No amador, um lajeadense, Paulo Heineck. Jogava muito. E que eu joguei contra, foi no profissional: Ademir da Guia. Eu estava no Guarany de Bagé, e o Palmeiras veio fazer uma excursão aqui pelo Sul. Jogo festivo. O Ademir era um meia-esquerda e eu um segundo volante de hoje. Era espetacular.
Fonte texto: Rodrigo Angeli

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